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PEC da Blindagem: Proposta que limita investigações contra autoridades gera polêmica e preocupa especialistas

Historiador e Cientista Político Ricardo Arraes e o advogado Arimateia Dantas analisam os impactos da PEC da Blindagem no combate à corrupção e na transparência governamental

03/03/2025 às 13h09

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Blindagem tem gerado intensos debates no cenário político brasileiro. A medida busca restringir a atuação de órgãos de investigação, como o Ministério Público e a Polícia Federal, ao impor novas regras para a abertura de inquéritos contra autoridades com foro privilegiado. Defensores da proposta alegam que ela evitaria perseguições políticas e abusos de poder, enquanto críticos denunciam que a PEC representa um grave retrocesso no combate à corrupção, dificultando a responsabilização de agentes públicos.

Congresso Nacional. - (Empresa Brasileira de Comunicação) Empresa Brasileira de Comunicação
Congresso Nacional.

Caso aprovada, a PEC pode impactar diretamente investigações de corrupção e improbidade administrativa, dificultando o acesso a provas e o avanço de processos judiciais. Especialistas alertam para os riscos de enfraquecimento do sistema de fiscalização e para o impacto negativo na transparência governamental. No Congresso, a proposta segue enfrentando resistência de setores mais progressistas e de entidades ligadas ao combate à corrupção.

Ouvimos o historiador e cientista político Ricardo Arraes e o advogado e coordenador do movimento contra a corrupção Força-Tarefa Popular, Arimateia Dantas, para comentar suas visões sobre como a PEC da Blindagem poderia impactar a vida política dentro do Congresso e os reflexos para os brasileiros.

Confira a seguir as opiniões dos especialistas sobre o tema:

Historiador e cientista político Ricardo Arraes

Historiador e cientista político Ricardo Arraes. - (Divulgação) Divulgação
Historiador e cientista político Ricardo Arraes.

Quais são os principais impactos da PEC da Blindagem na fiscalização e punição de agentes públicos envolvidos em corrupção?

“Primeiro, é preciso dizer que a tentativa do Congresso Nacional, especialmente agora na Câmara Federal, de emplacar uma proposta de emenda à Constituição que visa blindar os deputados — e certamente se estenderá aos senadores — tem impactos significativos, impactos imensos, especialmente na imagem do Congresso Nacional, com desdobramentos no processo de fiscalização e no combate à corrupção, que ocorre e toda a sociedade brasileira sabe disso dentro daquelas duas casas legislativas.

Nós temos um Congresso dos mais corruptos do mundo, e qualquer cidadão sabe dessa história, embora com poucas possibilidades de comprovação. Essa proposta, caso seja tramitada, julgada e implementada, tem que ser votada nas duas casas porque, sendo uma PEC (proposta de emenda constitucional), deve passar por dois turnos em ambas as casas.

Veja bem, estão querendo mudar a Constituição por dois motivos: essa PEC da Blindagem é o ressurgimento de outra PEC que tentaram emplacar em 2021, chamada PEC da Imunidade. Então, é uma tentativa de reabilitar uma PEC que fracassou no passado.”

Essa proposta pode comprometer a independência do Judiciário e dos órgãos de controle, como o Ministério Público?

“Bem, então, quais são os dois principais objetivos dessa blindagem? O primeiro é limitar as operações, especialmente da Polícia Federal e dos órgãos de controle dentro das duas casas legislativas: Câmara Federal e Senado. Então, é uma medida altamente corporativa. É o Congresso Nacional se mobilizando para se autoproteger. É o corporativismo do Parlamento em altíssimo grau.

E como são eles que fazem as leis, têm o poder para isso, um poder dado por cada um de nós a cada quatro anos. O outro objetivo é limitar as operações e proteger os mandatos. Dois objetivos primordiais. Tudo isso nada tem a ver com democracia. É a Câmara e o Senado atuando em um esquema de autoproteção e imunidade parlamentar.”

“Claro, essa é uma prerrogativa que cada parlamentar tem, do vereador ao senador, mas a imunidade parlamentar não pode passar por cima dos desvios, dos desmandos, da corrupção — algo que acontece muito dentro dessas casas legislativas. Então, os dois objetivos basicamente são esses: limitar as operações, especialmente da Polícia Federal, e proteger os mandatos de parlamentares.”

“Bem, então a quem será que se destina, como diz a pergunta? Destina-se exatamente a tentar limitar as operações e proteger os mandatos. O Congresso tem ficado muito incomodado com as operações que são realizadas dentro dessas casas.

Por isso, uma das medidas, caso passe, é que o deputado, uma vez preso, fique dentro da casa legislativa. A proposta de imunidade exigia que, no momento da prisão, a Polícia Legislativa — que é uma polícia interna do Senado e da Câmara Federal — acompanhasse a Polícia Federal.”

Considerando o histórico de combate à corrupção no Brasil, essa PEC representa um retrocesso nas conquistas da Lava Jato e de outras operações de fiscalização?

“A outra pergunta feita é se isso representa um retrocesso. Certamente, caso seja aprovada, seria um grande retrocesso em todas as poucas conquistas que se conseguiu até agora para garantir transparência. Para que os órgãos de controle tenham autonomia e para que haja transparência na aplicação dos recursos, que são do contribuinte.

Os recursos não são do governo, os recursos não são do Parlamento. Os recursos são do contribuinte. Não existe ‘dinheiro público’, o dinheiro é do contribuinte. O Congresso tinha que pensar nisso, em afastar qualquer tipo de amarra a possíveis fiscalizações da Polícia Federal contra fraudes, desvios, desmandos e abusos.

Então, é possível reverter no futuro? Olha, se ela for aprovada, muda a Constituição. Embora não seja uma cláusula pétrea, para ser derrubada, precisaria de outra PEC. É um retrocesso, sim. E se é possível revertê-la no futuro, primeiro, o ideal é que ela sequer seja aprovada agora. Seria melhor que nem pensássemos na possibilidade de sua aprovação.”

A PEC pode afetar a transparência e a confiança da população nas instituições públicas? Se sim, de que forma?

“O Parlamento brasileiro é um dos mais ineficazes que existem. É um dos menos acreditados, um dos menos apoiados que existem. Exatamente por conta dessas tentativas de mudanças no seu funcionamento, que servem para autoproteção e não para a melhoria do país. O que vemos nesse momento é exatamente essa tentativa do Parlamento de tentar amordaçar o Judiciário e de tentar retirar tudo que pode do Executivo.

Hoje, Lula é um grande refém do Parlamento. O Executivo brasileiro hoje é refém do Parlamento. E agora, o Parlamento quer podar as possibilidades do Judiciário de ter uma ação mais eficiente dentro dessas casas.”

“O próprio Judiciário não é um dos mais exemplares do mundo. Mas qualquer tentativa de limitar ainda mais sua possibilidade de fiscalização, sendo ele o guardião das leis e da Justiça, é totalmente antidemocrática.

Então, essa PEC da Blindagem nada mais é do que algo muito antidemocrático, que tem que ser combatido. A população precisa saber disso e combater essa proposta. É uma pena que, às vezes, a população tenha conhecimento dessas histórias e não se posicione, aceitando passivamente que o Congresso deite e role com leis absurdas como essa.” Finalizou Ricardo Arraes.

Advogado Arimateia Dantas

Advogado Arimateia Dantas. - (Divulgação) Divulgação
Advogado Arimateia Dantas.

Como a PEC da Blindagem pode aumentar ainda mais essas regalias aos deputados e senadores e o que você pensa sobre essa busca por autoproteção dos congressistas?

"Os parlamentares já têm muitas prerrogativas que ajudam a exercer o seu poder de representar a sociedade. É muito preocupante aumentar as prerrogativas dos deputados, dos políticos de uma forma geral, no que diz respeito a se eximir de investigações de crimes contra o patrimônio público. Deveria ser o contrário. Todas as pessoas que administram ou de alguma forma participam da liberação de verbas, da gestão econômica no exercício da profissão ou do mandato deveriam prezar pela transparência. Quando eles tentam, através dessa técnica, se eximir de investigação, é muito preocupante. Porque quem tem medo da transparência é quem tem algo a temer. Portanto, é uma atitude suspeita de quem deve. Diz-se sempre: quem deve não teme. Se há investigações, elas vão buscar a verdade. E seria de bom tom o próprio Poder Legislativo facilitar qualquer investigação do mandatário do povo quando se tratar de desvios de dinheiro público por esse agente público.

A PEC da Blindagem segue no rumo contrário aos princípios da transparência, da honestidade e do compromisso do servidor público, do agente público, para com a população. É importante para os políticos honestos que não paire sobre eles nenhuma dúvida quanto à sua honestidade. O devido processo legal, a investigação e a busca pela verdade só elevam a grandeza dos políticos honestos, porque nada será encontrado contra eles. Como diz e repete um famoso político brasileiro, citando a Bíblia: 'A verdade vos libertará'. Então, essa PEC da Blindagem é uma afronta ao povo brasileiro, uma afronta às instituições e é, no meu entender, uma confissão de culpa e medo, um temor de que seja descoberto algo que tem que se manter na escuridão."

A PEC seria uma resposta dos parlamentares às decisões do STF em interferir na destinação das emendas dos deputados, além das recentes operações da Polícia Federal sobre esses valores?

"Eu acho que essa proposta de PEC é também uma tentativa de se proteger da fiscalização em relação às emendas e à forma como o Supremo Tribunal Federal está atuando para garantir a transparência dessas emendas. Mas já vemos pelo histórico do Parlamento Federal que eles vêm tentando criar PECs que os blindem. Porque é muito estranho pessoas honestas ficarem com medo de investigações.

Numa democracia, especialmente em relação a agentes públicos, é muito conveniente para eles que as investigações sejam resolvidas o mais rápido possível e que o próprio gestor, o próprio parlamentar, coloque tudo à disposição para que fique esclarecido. Inclusive para a população, provando que ele não é aquilo que estão pensando. Quando se cria obstáculo para ter acesso à verdade sobre o comportamento de determinadas pessoas e suas ações, é porque essas pessoas têm algo a temer.

E pelo que vimos nos desdobramentos recentes, como o caso concreto dos três deputados que foram denunciados – inclusive dois aqui do Maranhão – em relação à cobrança de propina sobre parte das emendas que mandaram, isso deixa claro que essas ações da Polícia Federal e as investigações do Poder Judiciário têm que continuar. E, de forma contrária ao que quer a PEC, o acesso das autoridades às informações desses agentes públicos tem que ser facilitado. Porque eles são pagos com nosso dinheiro. E o dinheiro desviado é nosso."

Os parlamentares deveriam ter maiores proteções como o foro privilegiado? Existe uma solução para garantir proteção contra perseguições políticas sem incentivar a corrupção?

"Os parlamentares já têm uma autoproteção muito importante e já possuem prerrogativas suficientes. Agora, o Parlamento, a sede do Congresso Nacional, Câmara e Senado, não pode ser uma área isolada de proteção para pessoas que estão sendo investigadas por crimes, seja ele deputado, senador ou qualquer outra coisa. A proteção maior dos deputados e dos senadores já existe na própria conduta deles. Se eles são honestos, deveriam ter o maior interesse que todas essas acusações fossem resolvidas e seus nomes respaldados pelo final do inquérito.

Temos que compreender que um processo judicial, uma investigação, é a busca da verdade. E essa verdade pode ser a comprovação da inocência ou da culpa. Agora, quem tem culpa, quem realmente cometeu o ato ilícito, fica com medo. E não há como negar que os deputados, quando estão sob investigação, são protegidos por todo o manto e os procedimentos constitucionais. Têm bons advogados, podem pagar pelos melhores, e ainda contam com a proteção das casas legislativas que os abrigam. Então, seria um suicídio político de um magistrado ou de um investigador cometer abusos contra parlamentares, pois há toda uma estrutura legal em torno deles.

Agora, quando eles vêm reforçar essas prerrogativas, colocando obstáculos para investigações sobre desvios de dinheiro público, isso é uma confissão. É uma confissão de que precisam se proteger porque temem ser descobertos. O que o Parlamento deveria fazer era ampliar ainda mais as ações e possibilidades de acesso a essas informações.

E, para finalizar, essa PEC é imoral. É assim que a sociedade está vendo essa proposta. E, senhores políticos, saibam que estamos de olho em vocês. Cada um que assinou essa PEC, cada um que está defendendo, nós sabemos quem são. São pessoas que estão jogando escuridão onde deveria haver luz. Mas nós vamos acabar com isso e dar todo o apoio ao Supremo e a todas as organizações que lutam pela transparência no nosso país."


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