A relação entre os Poderes Executivo e Legislativo sempre precisou de amplas negociações para garantir a estabilidade necessária e tornar o ambiente político propício à apresentação e aprovação de leis importantes para a sociedade. No Brasil, convencionou-se chamar de presidencialismo de coalizão a formação do governo federal com parte dos ministérios comandados por siglas aliados ao governo. O cientista político Germano Lúcio, mestre em ciência política pela Universidade Federal do Piauí, explica que na prática, os partidos que tinham controle de ministérios e demais cargos importantes, naturalmente davam sustentação ao governo.
Para Germano Lúcio, no entanto, essa realidade mudou no Brasil de forma mais incisiva com a constituição das emendas impositivas em 2015 e todas as modificações seguintes, que ampliaram cada vez mais o poder de deputados e senadores na decisão sobre o orçamento federal. “Antes, os deputados e senadores indicavam emendas, um recurso para obras em suas bases eleitorais, mas precisam ir aos ministérios e procurar o governo federal, praticamente “mendigando”’ a liberação do recurso. Com a instituição das emendas impositivas em 2015, isso já diminuiu bastante. Porque desde ali, o deputado e o senador indicam um recurso e o Executivo tem a obrigação de executar”, explica o cientista político.
Com uma fatia maior de recursos do orçamento federal sob comando exclusivo do parlamento, Germano Lúcio explica que isso deve trazer prejuízos ao governo federal também na área do planejamento estratégico. “O governo federal é quem tem, ou deveria ter, técnicos capazes de pensar em investimentos estratégicos que demandam altos valores, quando parte destes recursos é entregue nas mãos de parlamentares, há necessariamente uma tendência de pulverização desses recursos, com objetivos eleitorais, de agradar bases, e que muitas vezes não são investimentos em benefícios duradouros’, argumenta o cientista político.
“Partidos não precisam se prender tanto a cargos, eles já possuem orçamento para investir”, diz cientista político
O cientista Germano Lúcio explica que na prática, as emendas impositivas também tornaram a vida do governo federal mais difícil na hora de negociar votos com o parlamento. Se no presidencialismo de coalizão a divisão do governo com partidos já garantia apoio, agora a ocupação de cargos torna- -se apenas o primeiro passo de um processo que passou a ser demorado.
“Cada deputado e senador já possui o direito de indicar emendas impositivas, ou seja, dinheiro que o governo federal será obrigado a executar. Então, a simples liberação da emenda não atrai o apoio integral de um parlamentar. É preciso que o governo apresente seus projetos e faça uma defesa programática, ideológica, invista realmente na articulação para ter o apoio necessário às suas propostas”, pontua o cientista político.Lúcio entende que essa autonomia do Legislativo gera mais dificuldades para a construção de uma base sólida do governo, principalmente porque no Brasil, os partidos que elegem presidentes não conseguem eleger maiorias na Câmara e no Senado. “São 513 deputados, o partido do presidente, tanto Bolsonaro como presidente, quanto agora com Lula, não elegeram nem 100. Então é preciso realmente investir num projeto de país e saber dialogar, apresentar e convencer”, diz o professor.
Em 2023, deputados federal têm direito a 32 milhões e senadores 59 milhões
O orçamento brasileiro executado em 2023 foi aprovado ano passado, como manda a Constituição Federal. O valor aprovado para as emendas individuais é de R$ 21,5 bilhões, o que passou de 1,2% para 2% da Receita Corrente Líquida do país, ou seja, de todo o dinheiro que é arrecadado pelo governo federal. A divisão dos R$ 21,5 bilhões não é igualitária. A Câmara dos Deputados fica com 77,5% das emendas individuais e o Senado com 22,5%.
Como são 513 deputados, cada um fica com o valor individual de emenda de R$ 32 milhões; e cada um dos 81 senadores com R$ 59 milhões. Metade dos recursos das emendas individuais obrigatórias deve ir para o Ministério da Saúde, para completar o orçamento mínimo desse setor estabelecido pela Constituição. Como emenda impositiva, ainda existem as emendas de bancadas - indicada pela bancada federal de cada estado. O montante para 2023 é de R$ 7,8 bilhões.
"Lula ao melhorar economia ganhará mais popularidade e força junto ao Congresso"
O governo Lula enfrenta grandes dificuldades para formar uma base aliada sólida no Congresso Nacional. Projetos importantes para a base governista, como a PL das Fake News, foi retirada de pauta devido a possibilidade de derrota do Executivo. Na última semana, o governo sofreu de fato a primeira derrota na Câmara dos Deputados, ao ver o congelamento de mudanças promovidas por Lula no Marco Legal do Saneamento.
Para o deputado federal Merlong Solano (PT), o empoderamento excessivo do Poder Legislativo, principalmente das presidências das duas casas, demanda do atual presidente uma capacidade de fazer a economia acelerar de forma mais rápida para que o presidente aumente sua popularidade e se fortaleça junto ao Congresso.
“Primeiro precisamos explicar que esse processo de empoderamento excessivo ocorreu durante o governo Bolsonaro, que era frágil politicamente. Ele teve mais de 100 pedidos de impeachment, nenhum deles foi apreciado, mas isso teve um preço alto. Bolsonaro não governava os investimentos e esse recurso foi sequestrado pela Presidência das duas Casas”, diz Merlong Solano, acrescentando que por meio das “emendas secretas” se estabeleceu uma maioria de deputado que tinha privilégios e as dificuldades de Lula para compor uma maioria decorrem desse processo. “Não basta ter um ministério, uma grande quantidade de deputados quer continuar tendo uma fatia de recursos para decidir para onde vai os investimentos”, pontua Solano.
Merlong diz que Lula neste início de governo, precisa dialogar mais com o parlamento para não sofrer mais derrotas.