Viver não está barato. E para quem depende do transporte público para ir e vir, a conta no final do mês sempre termina ainda mais salgada. Esse gasto aumenta ainda mais quando o trabalhador mora fora de Teresina, nos municípios que compõem a região metropolitana da capital piauiense. Fazer diariamente o trajeto entre Teresina e cidades como União, Altos, José de Freitas e Nazária compromete mais da metade da renda de quem recebe um salário mínimo, por exemplo.
E esses gastos subiram ainda mais depois que a tarifa de transporte intermunicipal reajustou em 25% neste mês de março. A passagem paga pelo trajeto entre Teresina e Altos, por exemplo, subiu de R$ 8 para R$ 10. Para ir para José de Freitas, tem passageiro pagando até R$ 14. Quando o percurso é para União, esse valor aumenta para R$ 15. Quem vai e volta todos os dias entre estas cidades afirma que o gasto com passagens de ônibus chega a comprometer mais da metade do salário do mês.
É o caso da empregada doméstica, Maria Zélia da Silva. Ela mora em Altos e precisa vir para Teresina diariamente para trabalhar. Somando a vinda e a volta para casa, ela gasta, por dia, R$ 20. Por semana, o gasto com as passagens de ônibus chega a R$ 100. No final do mês, esse custo chega ao patamar dos R$ 600. Maria Zélia recebe um salário mensal de R$ 1.300. Significa dizer que o que ela gasta com passagem representa 46% de sua renda.
Ela comenta que o valor não compensa por conta do tempo de percurso e a qualidade do transporte. O percurso de 40 Km entre Teresina e Altos dura em média, uma hora de ônibus. O problema é que os veículos andam lotados e o calor maltrata os passageiros.
Além do gasto que tem consigo nas passagens de ônibus, ela acrescenta o gasto do filho, que trabalha em Teresina e precisa se deslocar para cá diariamente. “Ele gasta o mesmo tanto que eu. Como que vive desse jeito? Trabalhando para pagar transporte? Não vive. Só sobrevive. É simples”, explica ela.
O gasto com o transporte intermunicipal pesa ainda mais no bolso do trabalhador quando ele vem somado a outros custos. A senhora Francisca Pereira, aposentada, mora no Povoado Santa Rita, na estrada entre Teresina e José de Freitas. Em geral, ela paga R$ 5 para vir e voltar para casa diariamente, mas, ao contrário de Maria Zélia, que vem para trabalhar, ela vem para atendimentos médicos. E esses atendimentos têm custos. O que era para ser só uma passagem de ônibus acaba se tornando um gasto muito maior.
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“Para nós que somos aposentados, idosos e temos que comprar remédio, nós que somos diabéticos, hipertensos e temos uma multidão de coisa para dar conta com a saúde, fica mais pesado ainda. No final das contas, a gente vem aqui [para Teresina] só para ter gasto e gasta bem mais dependendo do transporte. A gente paga caro e ainda perde tempo, porque é uma demora horrível esses ônibus”, comenta dona Francisca.
E ela diz que ainda paga barato no trajeto para casa comparado a outros trabalhadores. Quem vai de Teresina direto para José de Freitas ou quem vem de lá direto para cá desembolsa até R$ 14 de passagem numa viagem dependendo da empresa de ônibus. Um trabalhador que recebe um salário mínimo por mês destina, em média, R$ 850, ou seja, mais da metade da própria renda.
A técnica de Enfermagem, Vanessa Marinho, 28 anos, é uma das que vê uma boa parcela de sua renda mensal ir embora em passagens de ônibus. Ela mora em Nazária, a 30 Km de Teresina, e chega a gastar até R$ 30 diariamente com o percurso entre as duas cidades. Segundo ela, a passagem para Nazária custam em média, R$ 10. Só que para alguém que vai e volta mais de uma vez por dia do serviço, esses R$ 10 se multiplicam fácil.
A renda mensal de Vanessa é R$ 1.800 e o gasto com passagens dela chega a R$ 500 no mês.
Com bolsa-estágio de R$ 650, moradora de União gasta tudo que ganha em passagem de ônibus
Ver uma parte generosa de sua renda mensal ser gasta com o trajeto entre a casa e o serviço já é desgastante. Agora imagine ver o salário inteira virar tarifa de ônibus. Esta é a situação da jovem Marina Coelho. Ela é de União e estagia em Teresina recebendo uma bolsa de R$ 650 mensais. Só que este valor vai inteiro para pagar o trajeto entre a casa e serviço.
É que a passagem de ônibus entre Teresina e União, segundo ela, está custando R$ 15. Por dia, são R$ 30. No mês, indo e vindo de segunda a sexta, Marina gasta R$ 600. O que sobra da bolsa-estágio é apenas R$ 50. Ela define a situação como “pagar para trabalhar” e diz que o preço cobrado atualmente na passagem de ônibus intermunicipal não compensa em nada o serviço que está sendo prestado.
“Não tem conforto. Ou vamos em pé ou vamos amarrotados, porque os motoristas fazem questão de encher as vans e os ônibus. Como eles têm um horário que seguir, tem deles que correm na estrada para cumprir o tempo do percurso. Querendo ou não isso coloca todo mundo em risco. E agora, para terminar de piorar o que já estava ruim, veio esse aumento de 25% do nada. Ainda hoje a gente tenta entender o porquê desse reajuste”, pontua Marina.
Esse reajuste de 25% na passagem de ônibus intermunicipal já está sendo praticado, segundo o que relatam os passageiros. Na última quinta-feira (07), manifestantes fecharam uma parte NA BR-343, em Altos, em protesto contra o aumento da tarifa. Ateando fogo em pneus e entoando palavras de ordem, a população pedia o cancelamento do reajuste. O protesto gerou um congestionamento de cerca de 2 Km na rodovia, segundo a Polícia Rodoviária Federal.
A reportagem do Portalodia.com procurou a Secretaria Estadual de Transporte (Setrans) e chegou a falar com o secretário Jonas Moura. O gestor explicou apenas que essa questão do reajuste da tarifa de transporte intermunicipal foi feita em cima dos cálculos da Agrespi, Agência Reguladora dos Serviços Delegados do Piauí. Jonas Moura sugeriu procurar a Agrespi.
O Dia entrou em contato com o órgão que, por meio de sua assessoria, informou que deveria se pronunciar era a Setrans.
O impasse acabou chegando até o Parlamento Piauiense, que realizará uma audiência pública no sentido de entender o reajuste de 25% aplicado nas passagens. O requerimento foi apresentado pelo deputado estadual Warton Lacerda. O parlamentar alega que a renda do trabalhador não pode ser comprometida com gastos com transporte cobrou esclarecimentos por parte dos órgãos fiscalizadores e reguladores.
“Uma pessoa que ganha um salário mínimo e precisa trabalhar em Teresina vai ter um gasto de aproximadamente R$ 600 por mês. Agora imagine a pessoa que, além de trabalhar, tem filho que estuda em Teresina. Como vai fazer? Foi um reajuste da ordem de 25%, sendo que o salário mínimo não aumenta nem 10%. Como que sobem a passagem nessa proporção?”, questionou o parlamentar.
A audiência pública para tratar do reajuste de 25% na passagem de ônibus intermunicipal ainda não tem data para ocorrer, mas o que os parlamentares querem é que as empresas apresentem suas planilhas de custos para serem analisadas por uma comissão técnica do Legislativo. Os deputados esperam também que tanto a Setrans quanto a Agrespi apresentam suas alegações para a mudança no valor da tarifa.
A reportagem de O Dia procurou o Sineônibus (Sindicato das Empresas de Ônibus Intermunicipais do Piauí, assim como buscou a Setrans e a Agrespi, mas as ligações não foram atendidas.
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