Uma realidade permeada pela angústia e a incerteza. É assim que pode ser traduzida a vida de quem lida com o desaparecimento de algum familiar ou conhecido. Em Teresina, o número de pessoas desaparecidas saltou de 166 em 2021 para 200 em 2022. Em 2023, foram 296 casos de desaparecimento na capital piauiense. O aumento foi de 78% no intervalo de dois anos. Só em 2024 já foram registrados 141 desaparecimentos até o dia 18 de julho. Os dados são da Divisão de Desaparecidos, que funciona dentro do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).
Quando se observa a realidade do Piauí como um todo, o rastro de angústia e incerteza é ainda maior. Números do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024 revelam que o Piauí teve 481 pessoas desaparecidas em 2022. O número subiu para 644 em 2023, uma variação positiva de 33,9%.
Apesar dos números serem considerados altos, a Polícia Civil afirma que o grau de resolutividade dos casos de desaparecimento no Piauí é considerado satisfatório. Os dados do Anuário da Segurança Pública apontam que dos 481 desaparecidos em 2022, 28 foram localizados, e dos 644 desaparecidos em 2023, 240 foram encontrados. Aqui em Teresina, a taxa de resolução de casos de desaparecimento ultrapassa os 90%, segundo o DHPP. Todos os 141 desaparecidos em 2024 foram localizados pelas equipes da Polícia Civil, além de outros sete que tiveram seus desaparecimentos comunicados em anos anteriores.
Para cada caso de desaparecimento, a polícia abre um procedimento administrativo, já que desaparecer não é considerado crime pela lei brasileira. No entanto, a situação pode se desdobrar em uma ação criminosa a depender do desfecho do caso. Há situações em que o desaparecimento está atrelado a sequestros, por exemplo, ou até mesmo a homicídio. Cada história é única e complexa, segundo o delegado da Divisão de Desaparecidos do DHPP, Jorge Terceiro.
As circunstâncias do desaparecimento são várias: desde o sumiço voluntário decorrente de conflitos familiares até situações de risco e violência ou envolvimento em atividades ilícitas. Chama a atenção o fato de que em pelo menos 90% dos casos em Teresina, a pessoa desaparecida é homem e maior de idade.
Um exemplo de desaparecimento forjado aconteceu em Teresina em fevereiro deste ano. Um homem identificado como Paulo Ricardo Mendes Lima forjou o próprio sequestro para tirar dinheiro da família após gastar todo o salário com bebida. De acordo com Jorge Terceiro, Paulo saiu do trabalho, em um shopping na capital, e decidiu ir beber De acordo com Jorge Terceiro, Paulo saiu do trabalho, em um shopping na capital, e decidiu ir beber sem informar nada aos familiares.
“No dia seguinte, ele mandou mensagens do próprio celular se passando por criminosos dizendo que estavam com ele em cativeiro, dizendo que ele era envolvido com facções e que iriam matá-lo se não recebessem dinheiro de resgate. Ele foi localizado perto de Altos, sem dinheiro, com sua moto e o celular e falou que tinha sido liberado pelos criminosos. Mas nas diligências descobrimos que ele tinha uma condenação por roubo e o prendemos. No depoimento, ele confessou que não houve sequestro e que gastou todo o dinheiro em bebida. Confessou o crime e nós o mantivemos preso”, relatou o delegado.
Nestes casos em que o desaparecimento se desdobra no cometimento de um crime, o procedimento administrativo é convertido em um inquérito policial para investigação e responsabilização criminal. A pessoa desaparecida pode se tornar ou a vítima ou a autora do delito. É esta a principal peculiaridade de uma investigação de desaparecimento. No caso de Paulo Ricardo, que fingiu o próprio sequestro, o desaparecido passou à condição de autor de delito.
Mas há casos em que o desaparecimento se desdobra em uma série de outros crimes que podem levar, inclusive, à desarticulação de uma associação criminosa. É o tipo de situação que o delegado Jorge Terceiro chama de “ponta do iceberg”. Ele relembra o caso do jovem Sérgio Luiz Bezerra Monteiro Júnior, que desapareceu na Praça da Bandeira, Centro de Teresina, em março de 2023.
A denúncia inicial era de desaparecimento, mas no decorrer da investigação a polícia acabou chegando a um crime de sequestro e cárcere privado. Sérgio Luiz foi capturado por indivíduos faccionados que achavam que ele era membro de uma facção rival. O rapaz foi julgado no tribunal do crime e assassinado. Seu corpo, no entanto, nunca foi encontrado, mas a polícia conseguiu provar que seu desaparecimento era decorrente de um homicídio.
“Desvencilhamos toda a situação subjacente comprovando que ele foi levado para o local, sofreu um julgamento pelo tribunal do crime de uma facção criminosa, todos os membros desse grupo foram identificados e todos foram presos, denunciados à Justiça por homicídio qualificado, organização criminosa armada e ocultação de cadáver mesmo sem o corpo do rapaz ter sido encontrado. É o tipo de situação na qual se pode chegar a partir de um desaparecimento. Não é todo caso, mas é algo possível de acontecer”, explica Jorge Terceiro.
Desaparecimento voluntário quando a ausência é uma decisão
Ao contrário do que se pensa, a família não precisa aguardar 24 horas para comunicar à polícia um desaparecimento. Na verdade, quanto antes a denúncia for feita, maiores as chances de uma resolutividade positiva do caso. A Divisão de Desaparecidos recomenda que o desaparecimento seja informado a uma autoridade policial assim que for dada falta da pessoa. Se não conseguiu localizar através de outros parentes e amigos, se não tem informações sobre o paradeiro, o ideal é entrar em contato imediatamente com a polícia.
A denúncia do desaparecimento pode ser feita em qualquer unidade policial, não só no Departamento de Homicídios. Para registrar a ocorrência, o informante deve levar uma foto recente do desaparecido para que a polícia inicie as buscas nos órgãos primordiais: o IML, hospitais e na Central de Flagrantes. O primeiro passo é se certificar de que a pessoa não morreu, não se acidentou e não foi presa, segundo o que explicou o delegado Jorge Terceiro.
Após isso, a equipe do DHPP, que é especializada em investigar desaparecimentos, faz um trabalho de campo, indo ao local onde a pessoa residia e onde ela foi vista pela última vez. A polícia piauiense também mantém contato com as forças de segurança de outros Estados, porque pode ser que o indivíduo ultrapasse as fronteiras. Em Teresina, por exemplo, houve o caso recente de uma mulher cujo desaparecimento foi informado pela família e a polícia só conseguiu localizá-la porque ela registrou Boletim de Ocorrência em outro Estado pela perda de seus documentos.
“Ela teve que fornecer seu endereço para a polícia e quando inseriram os dados dela no sistema, constataram o informe de seu desaparecimento registrado aqui. Nos acionaram e nós conseguimos localizá-la e comunicar à família”, relatou o delegado. Ele cita que há casos em que o trabalho da polícia termina sendo unicamente o de localizar o desaparecido e comunicar aos parentes para que eles mesmos resolvam a situação. É o caso, por exemplo, dos desaparecimentos voluntários.
Desaparecer não é crime e a pessoa tem o direito de deixar o convívio familiar se assim quiser. São várias as causas que podem levar ao desaparecimento voluntário: conflitos familiares, abusos familiares ou até mesmo a pessoa se sentir exposta a alguma situação de risco em seu lar. Nestes casos em que o desaparecimento acontece por vontade própria, a polícia trabalha para localizar o indivíduo e ter a certeza de que o sumiço não se deu em razão de um crime.
Uma vez constatado o desaparecimento voluntário, o DHPP procede com a prova de vida para apresentá-la à família.
Vale lembrar: investigações de desaparecimento não prescrevem. Ao contrário de um crime ou de um inquérito policial, que possuem um prazo para serem solucionados e fechados, o procedimento de apuração de um sumiço corre por tempo indeterminado até que aquela pessoa seja localizada, com vida ou sem. O próprio DHPP possui procedimentos com mais de um ano de tramitação.
Crianças e adolescentes: Alerta Amber é ferramenta de apoio
Em fevereiro deste ano, uma mulher de 39 anos foi presa suspeita de sequestrar um bebê de dois meses em Fortaleza, alegando que ele era seu filho. O recém-nascido desapareceu no bairro Centro, mas foi localizado junto com a suspeita após diligências policiais feitas com apoio da plataforma Alerta Amber. Ela foi obrigada a devolver a criança.
O Alerta Amber é um sistema de alertas urgentes criado nos Estados Unidos e adotado pelo Brasil em 2023. Ele é ativado em casos de rapto e sequestros de crianças. O sistema dispara publicações nas plataformas da Meta (Facebook e Instagram) para informar do desaparecimento e divulgar a descrição da vítima e do indivíduo suspeito do crime. A partir de informações prestadas pelas pessoas nas redes sociais, a polícia norteia as investigações e consegue localizar mais rapidamente a vítima do desaparecimento.
O Piauí é um dos estados brasileiros que já estão vinculados ao Alerta Amber, cuja central fica em Brasília. A Secretaria de Segurança Pública Piauiense tem um ponto focal do sistema que é ativado assim que se registra o desaparecimento de alguma criança ou adolescente dentro do Estado. O raio do Alerta Amber é de 160 km e norteia as ações do DHPP e da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) na investigação do desaparecimento de menores de idade.
Com os alertas sendo espalhados pelo Facebook e Instagram, a própria sociedade se torna uma aliada da polícia na localização de crianças e jovens desaparecidos que possam estar expostos a alguma situação de risco. O Alerta Amber funciona em casos de desaparecimento recente e não voluntário, com autorização dos pais para inclusão da criança no sistema. Após a denúncia, a polícia do ponto focal solicita a inclusão na plataforma. Cabe à Secretaria Nacional de Segurança Pública acionar a Meta para disparar o alerta, que fica disponível por até 24h nas redes sociais. Caso o desaparecido seja encontrado, ele é removido.
Para o titular da Divisão de Desaparecidos, delegado Jorge Terceiro, a ferramenta é crucial para diminuir os índices de desaparecimento de crianças e adolescentes, que são grupo vulnerável em situações do tipo. “Crianças e jovens são muito ativos e demandam mais atenção por parte dos responsáveis em sempre ficar de olho e alerta. Em casos assim, as buscas têm que ser feitas o mais rápido possível, então a qualquer sinal do desaparecimento da criança, imediatamente procure os órgãos policiais”, pede o delegado.
Em Teresina, o registro de desaparecimento de crianças e adolescentes também pode ser feito em qualquer unidade policial. O boletim de ocorrência é encaminhado para a DPCA, que instaura o procedimento.
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