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É preciso entender a raiz da morosidade para responsabilizar quem se omite na gestão, diz Marcello Terto, reconduzido ao CNJ pela OAB.

27/01/2025 às 19h09

27/01/2025 às 19h09

Na última quarta-feira (22), o piauiense e procurador do estado de Goiás, Marcello Terto, foi reconduzido ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), indicado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O procurador assume o cargo no dia 3 de fevereiro deste ano.

Marcello, natural de Teresina, formou-se em Direito no Centro Universitário de Brasília (Uniceub). Ele já havia sido conselheiro do CNJ entre os anos de 2022 e 2024, além de ocupar os cargos de presidente da Comissão Permanente de Democratização e Aperfeiçoamento dos Serviços Judiciários e ouvidor nacional de justiça.

Conselheiro do CNJ, Marcello Terto.  - (Jailson Soares / O Dia ) Jailson Soares / O Dia
Conselheiro do CNJ, Marcello Terto.

Em entrevista ao Jornal O Dia, Terto falou sobre a importância do sistema judiciário e o seu papel para a população brasileira. Ele abordou temas como a morosidade da justiça, sua relação com o Piauí e a relevância do papel da advocacia, sendo indicado pela força máxima da classe à vaga no CNJ, confira.

O CNJ tem cumprido seu papel de controle administrativo do Judiciário?

"Ele estabelece parâmetros nacionais para a atuação tanto do ponto de vista orçamentário como administrativo-financeiro. Ele define e acompanha políticas judiciárias e, de certo modo, tem exercido certo controle em benefício da sociedade. Ao longo destes quase 20 anos de sua instalação, o Judiciário percebeu que é serviço público, tem que prestar contas. Por outro lado, falta um pouco de sensibilidade no que diz respeito às impressões do jurisdicionado em relação aos serviços do Judiciário. Hoje a OAB reclama que se disciplinou o plenário virtual com medidas positivas de transparência, com disponibilização de votos em toda a dinâmica de julgamento durante o prazo de realização da sessão virtual. No entanto, tirou o poder de decisão da sustentação oral síncrona dos advogados. Isso é muito sério. Os tribunais de um modo geral, *os tribunais e Justiça, em especial, não tem o mesmo nível de congestionamento que as instâncias superiores possuem. Além disso, aquelas tratam de material fático, de prova, resolvendo questões patrimoniais, familiares, criminais, ou seja, a liberdade das pessoas. Você transferir a definição dessa estratégia de defesa do advogado para o relator é muito perigoso. É preciso refletir melhor e até considerar a possibilidade de revisar isso. Porque a sustentação oral é atividade advocatícia sagrada e a definição sobre a sua realização ou não em tempo real não pode ser de modo algum absorvida pelo magistrado.”

O senhor é piauiense e tem uma relação com o nosso estado. Isso torna o senhor com o olhar mais atento para o Piauí lá no CNJ?

“O Piauí é minha origem, onde me criei e me eduquei. Goiás é minha casa, onde me desenvolvi profissionalmente. Mas tenho uma relação de proximidade com a Justiça do Piauí.”

O Judiciário brasileiro tem a morosidade como uma das características mais observadas pela população brasileira. É uma pauta reconhecida por todos. Como enfrentar este problema e o que fazer para evoluir?

“A morosidade tem que ser vista com muito cuidado. Não é questão numérica. Não é uma questão de julgamentos em escala, em massa, generalização de enfrentamento de questões como a litigiosidade. Não vamos mudar isso passando a mão na cabeça dos grandes litigantes que são os grandes condutores de ilegalidades. Precisamos adotar medidas efetivas para mudar a questão comportamental. Os grandes litigantes têm que respeitar o consumidor, o advogado, atender serviços públicos e prestar serviços de qualidade para evitar esse ambiente de conflito que gera demanda e espaços para fraudes.”

Conselheiro do CNJ, Marcello Terto. - (Jailson Soares / O Dia) Jailson Soares / O Dia
Conselheiro do CNJ, Marcello Terto.

“Mas a fraude você tem que identificar individualmente e atacar, punindo os responsáveis. Não pode generalizar e tratar toda a advocacia, por exemplo, pelos maus profissionais. É identificar os maus agentes, que podem ser da advocacia, do Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria. Precisamos repensar o enfrentamento das questões. Morosidade, precisamos entender a causa. São várias. Hoje, quando se prega que julgou muito, às vezes mais do que se recebeu de demanda, precisamos olhar para ver o motivo das reclamações terem aumentado nas ouvidorias dos tribunais e do CNJ. Entender a raiz da morosidade, porque às vezes o juiz tem razão, falta estrutura para ele. Outras vezes é a condução dos serviços de uma unidade. É preciso responsabilizar quem se omite na gestão e atendimento do jurisdicionado.”

Como enfrentar o excesso de judicialização no Brasil? Quais as alternativas para isso?

“Mudando o comportamento dos grandes litigantes. Não adianta reclamar que o Brasil tem muito processo se não mudar o ambiente da relação em que as crises se estabelecem. Enquanto o grande fornecedor de serviços continuar, por exemplo, uma empresa de energia elétrica ou água, grandes empresas, atenderem mal seus clientes, desrespeitarem direitos, a gente não vai avançar. A mesma coisa com o Estado. Enquanto o Estado não atuar corretamente com lisura, transparência, respeito ao cidadão, o número de processos vai permanecer alto. O universo de demandas e conflitos vai permanecer grande. A gente precisa modificar a questão comportamental e não vamos fazer com essa medida meramente quantitativa e numérica. Repensar a avaliação da qualidade do serviço judiciário não se faz só com números, tem que ouvir o contribuinte, o jurisdicionado, o servidor, todo mundo.”

O senhor representou a advocacia no CNJ. Como enfrentar problemas como dificuldade de acesso a magistrados e garantir que advogados, experientes ou iniciantes, tenham condições plenas de exercer seu trabalho?

“Olha, eu acredito muito na justiça brasileira. Ela é o nosso último porto, é a nossa última instância de socorro. Por isso, eu acredito que a gente tem que lutar pelo aprimoramento da justiça brasileira. A justiça, para fazer isso, ela não pode absorver o papel que é do advogado, da advocacia brasileira. De audiência. Ela tem que fazer o papel dela. Então, quando se depara com demandas de massa, demandas contra o Estado, ela tem que ouvir a outra parte, deixar ela se defender, para depois dar a solução que lhe compete, que é a decisão. De preferência e de mérito.

Hoje, com essa questão da denominada agora litigância abusiva, o Judiciário não permite que a parte, muitas das vezes um consumidor, alguém que precisa de um benefício previdenciário e não foi atendido pelo Estado oportunamente, não só acesse a justiça, mas processe o seu pedido, porque já se suspeita de que quem está envolvido num processo de massa está praticando alguma irregularidade. A gente tem que permitir que o Judiciário tenha condições de depurar, separar o joio do trigo e perseguir o que realmente importa. O que importa é a prestação, por um lado, da prestação jurisdicional, oferecer decisões de mérito, pacificar os conflitos, e, por outro lado, quem eventualmente se desviou da conduta no exercício profissional, seja em que papel for, no sistema de justiça, ser processado e punido.

Eu não posso tratar todo mundo pela mesma régua, porque isso não é a melhor forma, nem a forma mais inteligente de se enfrentar esse problema, problemas do tipo que nós enfrentamos no Brasil, do excesso de demanda, do excesso de processos que decorrem, não porque está dentro do judiciário, mas porque vem de fora. A causa está externa ao poder do judiciário. O universo de conflito, a litigiosidade, ela já é a formalização de um conflito cuja pacificação não deu certo e não adianta fazer mais do mesmo, não vamos enxugar gelo. Então eu acredito muito que a advocacia precisa ser, não só a testemunha, mas mais ouvida para saber se os serviços são satisfatórios.”

O senhor concorda que o Judiciário, muitas vezes, parece distante da realidade da maioria dos brasileiros? O que pode ser feito para aproximar a justiça do cidadão comum e atender melhor às demandas de todas as classes?

“Nós somos um país de grandes distâncias, e não só geográficas, quilômetros, para leste, oeste, norte e sul, mas também sociais e econômicas. Mas isso nós precisamos pensar que o judiciário tem que ser uma carreira estável, o judiciário tem que ter condições de assegurar a estabilidade dos seus quadros. Então, para isso, eu preciso, sim, valorizar os membros da magistratura brasileira.

Eu não sou contra pagar bons salários, eu sou a favor de se reduzir as distâncias econômicas para as castas sociais no nosso país. Nós temos um problema hoje que devemos encarar com muita seriedade, que é o fenômeno inflacionário voltando, a nossa capacidade de compra se reduzindo, e é preciso pensar que, por óbvio,nós temos que atender toda a população, mas para isso não precisamos destruir, desaparelhar, desestruturar instâncias que, em algum momento da história brasileira, conseguiram se tornar atrativas.

No entanto, isso não justifica ilegalidades. As ilegalidades têm que ser apuradas e têm que ser resolvidas. Se tiver alguma parcela que não diga com o que está nas leis, principalmente, ou parametrizada e normativa do CNJ, isso tem que ser resolvido, com certeza. Agora, isso não me faz também ser um defensor de redução de remuneração de magistrados. Agora os excessos, sim, têm que ser combatidos.

Eu sou do meio termo, eu acredito que nós temos que resolver para todo mundo, nós temos que somar e não dividir. Nós já estamos cansados de divisões, não só no país, como também no mundo. Então, assim, a gente precisa buscar esse ponto de convergência sem atacar e desmerecer papéis que são fundamentais para uma convivência pacífica em sociedade.

Eu vejo com muita cautela sempre esses ataques do ponto de vista remuneratório. Eu acredito que nós temos que investir na nossa população, promover medidas mais inclusivas para aproximar essa base da sociedade que ainda é muito sofrida de realidades próximas ao que dê você também, o padrão judiciário, mas que não devem ser também tão descoladas do restante da realidade brasileira.”

Considerações finais

“Olha, a advocacia é um instrumento de garantia da sociedade, tanto do aspecto da defesa dos seus interesses, da defesa da sociedade, da liberdade e também da defesa das instituições nacionais, da defesa do princípio republicano, da democracia, da defesa da sociedade brasileira numa perspectiva de atuação coletiva mais ampla para além do sentido de representação de classe.

A OAB tem esse papel histórico que é fundamental e muito respeitável, tem muita credibilidade. Não é à toa que todo mundo luta para ter um destaque de atuação dentro do sistema da Ordem dos Advogados do Brasil, assim como também o judiciário. O judiciário brasileiro é uma instância em que a gente tem que acreditar, porque se nada mais funcionar, só nos resta o socorro da justiça.

Nós temos que lutar por ela, mas também temos que conter os excessos, os limites, os abusos, o desrespeito, a falta de qualidade, a morosidade, às vezes a parcialidade, a impressão de parcialidade que se passa hoje, quando se acomoda e se conforta os grandes litigantes e se ignoram os dramas de quem está na base da sociedade, numa condição de vulnerabilidade como um consumidor, como um beneficiário da previdência social que não é atendido.

Hoje, a Justiça Federal reclama que virou um balcão, um saque da União e do Fisco Federal. Isso não pode ser assim, do INSS especialmente. Ou seja, nós temos um Juizado Especial Federal da Previdência Social porque a previdência não entrega seus benefícios e não querem que haja demanda, justamente para a parte mais vulnerável da sociedade, que precisa do Estado para sobreviver com o mínimo de dignidade.

Então, é isso. Nós levamos esse ponto de vista de quem está próximo desses dramas para sensibilizar o Judiciário porque lá de Brasília não se consegue enxergar bem o que está acontecendo na base do sistema. Eu sou muito de fazer o que já fiz e comecei a fazer aqui pelo interior do Piauí: ir com o Carlos Júnior, visitar o interior, fazer audiências públicas, porque lá é onde a sociedade às vezes precisa de mais socorro, e é onde a realidade se apresenta mais viva e dramática.”


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