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Nova estátua de Iemanjá em Teresina é alvo de intolerância religiosa nas redes sociais

O Piauí ganhou o primeiro monumento com a imagem de Iemanjá negra. A estátua foi instalada na Avenida Marechal Castelo Branco, em Teresina, no último domingo (14). Durante anos, a divindade de matriz africana foi representada por esculturas de cor branca. A nova representação, escolhida para representar a identidade da cultura negra, está sendo alvo de intolerância religiosa. Nas redes sociais, internautas se manifestaram contra a presença do monumento: “Credo, imagem feia”, disse um.

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Nova estátua de Iemanjá em Teresina é alvo de intolerância religiosa nas redes sociais

Em entrevista ao O Dia, o líder religioso Rondinelli Santos, conhecido como Pai Rondinelli de Oxum, explica que a escultura anterior de Iemanjá havia sido inaugurada em 1980 e, desde então, já foi alvo de diversos tipos de depredações e passou por mais de 10 reformas. 

“Mesmo quando era branca, a imagem era depredada, em qualquer lugar que estivesse. Em 2017, o monumento teve as mãos quebradas, pintaram a imagem e atearam fogo. Esse foi um momento que nos marcou bastante. Chegaram a escrever frases que diziam que a Iemanjá era “coisa do demonio”, além de versos bíblicos. Isso nos deixava muito mal, porque esse é um lugar onde depositamos nossa fé e pedimos proteção”, lembra Rondinelli Santos.

Divulgação/Ascom
A estátua foi instalada na Avenida Marechal Castelo Branco, em Teresina, no último domingo (14).

A intolerância religiosa manifestada por meio das redes sociais após a inauguração do novo monumento demonstra que as pessoas ainda não têm respeito pelas diferenças, especialmente quando se fala do respeito às religiões de matrizes africanas. De acordo com Pai Rondinelli de Oxum, o caso já está sendo denunciado às autoridades. 

“Já acionamos um advogado e fomos à delegacia registrar boletim de ocorrência para que possamos identificar os intolerantes e responsabilizá-los pelos seus atos. Precisamos dizer não à intolerância religiosa e pedir respeito à sociedade. As pessoas não precisam aceitar nossa religião, mas precisam aceitar”.

Pai Rondinelli de OxumLíder Religioso

Segundo o Diretor de Igualdade Racial da Secretaria Estadual da Assistência Social (SASC), o professor de Antropologia José Bispo, a descriminação religiosa contra a presença da estátua de Iemanjá negra suscita questões sobre liberdade religiosa e tolerância. Ele observa que há setores da sociedade, possivelmente influenciados por correntes neo-pentecostais, que parecem ter dificuldade em aceitar a diversidade religiosa. 

“A representação de Iemanjá como uma figura negra, além de ser uma expressão cultural da religião de matriz africana, expõe uma camada adicional de preconceito dentro da sociedade. Essa representação negra da divindade é alvo de preconceito principalmente por parte de certos grupos religiosos, como católicos, evangélicos e neopentecostais. O que a sociedade precisa entender é que todos os grupos religiosos precisam ter seu espaço e a liberdade de acreditar naquilo que sua concepção de mundo espiritual concebe”, aponta.

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Professor de Antropologia, José Bispo

Monumento levou 50 dias para ser desenvolvido

O monumento anterior de Iemanjá era branco e inspirado em Nossa Senhora dos Navegantes. No entanto, com o passar do tempo, as reivindicações do Movimento dos Povos de Matriz Africanas ganharam força para que a imagem tivesse as características de uma mulher negra. 

Pai Rondinelli de Oxum explica que a mistura de religiões e o contexto da época levaram à representação de uma mulher branca de cabelos lisos. A mudança da cor da pele na representação de Iemanjá no monumento é considerada uma conquista histórica. 

"A imagem de Iemanjá negra foi concebida para trazer a identidade da população negra à tona, uma vez que a divindade tem origem na cultura africana. Ela foi idealizada como branca para facilitar a aceitação pela sociedade. A intenção é afastar o cristianismo dos terreiros, permitindo-nos cultuar nossos sagrados e resgatar a identidade e resistência de nosso povo”, acrescenta o líder religioso. 

Reprodução/Gov PI
Monumento levou 50 dias para ser desenvolvido

A nova estátua foi criada pelo artesão Jean Pimentel em um período de 40 a 50 dias, utilizando materiais como argila, pano e ferro. Jean destacou que sua maior dificuldade foi a responsabilidade de retratar com fidelidade as características do povo africano na escultura de Iemanjá, conforme orientações das lideranças religiosas. 

“Minha maior dificuldade foi a responsabilidade de representar essa entidade. Eles queriam que eu desse uma repaginada na escultura, que a tornasse verdadeiramente representativa do povo africano, com os lábios mais carnudos e a pele negra. Minha preocupação era que todas as pessoas que cultuam essa religião ficassem satisfeitas com o trabalho e com a imagem. Como católico, fui convidado a participar da inauguração e fiquei encantado com a festa e a cultura dos participantes”.

Jean Pimentel Artesão

Jean Pimentel ressaltou com tristeza o fato de que a nova escultura já está sofrendo ameaças de depredação. “Peço que as pessoas respeitem a imagem e o direito de cultuar de acordo com suas crenças, além de valorizarem o trabalho artístico. Já trabalhei com imagens de Nossa Senhora Aparecida e não vi discriminação. Por que não dar o mesmo respeito a Iemanjá?", questiona. 

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