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"Meu papel era defender a mulher", diz Vilma Alves, primeira delegada do Piauí

Ao longo dos anos, as mulheres enfrentaram - e ainda enfrentam - desafios na sociedade pelo simples fato de serem mulheres. A desigualdade de gênero é percebida no mercado de trabalho, na academia, na política, entre outros. Porém, observa-se que nas últimas décadas essa realidade tem mudado, e que as mulheres já ocupam funções antes, predominantemente, exercidas por homens.

Mulheres se destacam por ocuparem cargos de liderança e chefia, por estarem à frente de grandes projetos na área da Saúde e Tecnologia, por serem pioneiras na criação de leis voltadas para as mulheres e para a sociedade, além de atuarem diretamente na proteção e combate à violência contra mulheres.

Neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher, é, sim, uma data para comemorar as conquistas e o destaque que muitas mulheres têm nas mais diversas áreas de atuação, sendo exemplo e inspiração para as novas gerações e referência na história pelo trabalho que desenvolveram no Piauí.

Respeite a lei

Os avanços rumo à igualdade de gênero e ao respeito à mulher ainda apresentam muitas barreiras. O Código Penal brasileiro, por exemplo, foi criado em 1940, porém, a primeira lei voltada para o direito da mulher só foi criada a menos de duas décadas, em 2006, quando surge a Lei Maria da Penha, definindo a violência doméstica e familiar contra as mulheres como crime e apontando formas de evitar, enfrentar e punir essas agressões. Já a primeira Delegacia de Defesa da Mulher só foi criada, no Brasil, em 1985.

No Piauí, as medidas de proteção à mulher também demoraram a chegar. O Estado só teve sua primeira delegada da mulher em meados da década de 1970, enquanto a primeira Delegacia Especializada foi instalada somente em 1989, sendo o Piauí o último estado da federação a incorporar essa estrutura de atendimento. A delegada Vilma Alves foi a propulsora na luta pela garantia dos direitos e da segurança das mulheres piauienses, enfrentando o machismo institucional e social.

“Quando comecei essa luta, aqui no Piauí, na década de 1970, viajava o Brasil inteiro já me preparando para essa realidade da mulher, que era vista como coisa e objeto, até porque no Código Penal brasileiro não tinha nada a favor da mulher. As Delegacias das Mulheres foram criadas pelo movimento de mulheres, que se organizaram, foram às ruas, gritaram e lutaram, e não por políticos”, conta.

Arquivo ODIA
A delegada Vilma Alves enfrentou o machismo institucional e social.

A delegada Vilma Alves, hoje aposentada, lembra que, à época, o trabalho da autoridade policial acabava prejudicado, uma vez que as leis relacionadas ao combate da violência contra mulheres eram brandas ou inexistentes. Isso fazia com que as poucas vítimas que tinham coragem em denunciar terminavam por desistir, medo de serem novamente agredidas, se suas queixas-crimes não fossem atendidas.

“O juiz determinava que o agressor pagasse uma cesta básica ou fizesse uma atividade na comunidade e nós, enquanto atividade policial, não podíamos fazer nada. As mulheres ficavam fora das delegacias buscando coragem para entrar e denunciar seu agressor, mas depois se arrependiam e pediam para retirar a queixa, porque temiam que, quando voltassem para casa, seriam novamente agredidas. Nós não deixávamos elas desistir! Sabíamos que tínhamos que ser duras, porque se não fôssemos, a mulher ia desistir”, ressalta Vilma.

Segundo a delegada, quando a Lei Maria da Penha passou a ser cumprida, a partir de 2006, grande parte da sociedade repudiou os mecanismos adotados pelas autoridades policiais e judiciárias, como a retirada do agressor de casa e aplicação de outras medidas protetivas de urgência.

“E quando começamos a prender os agressores, as pessoas achavam um absurdo. Diziam ‘como pode um homem ser preso por agredir sua mulher?’. Eles viam a mulher como uma coisa, um objeto, só que ela é uma cidadã, tem direitos e devem ser respeitados”, destaca.

“O Poder Judiciário, hoje, tem outro olhar sobre o atendimento às mulheres, então eu fico feliz, porque a luta foi dura. Já fui processada, sofri muito, ameaçada, na minha própria instituição tive que fazer processos contra meus colegas de trabalho, mas sempre fui consciente de que meu papel era defender a mulher. Comecei a exigir e mostrar que a mulher é dona do corpo dela, independente da sua cor e classe social”, conclui a delegada Vilma Alves.

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